De Lourdes a Santiago de Compostela

por  OSWALDO BUZZO

32ª Jornada – Santiago - 1


Parti de Arzúa às 5 h da manhã sob muita chuva e, depois de caminhar 47 quilômetros, cheguei à tarde, na Praça do Obradoiro, defronte à Catedral me sentindo completamente estropiado, botas pesadas de barro. Vagarosamente, subi os degraus derradeiros e, finalmente, às 16h 47m, dei o último passo do Caminho ao pisar a soleira da porta santa da Basílica do Apóstolo, era sexta-feira, 07 de maio de 2004.

Adentrando à Casa do Senhor, encontrei vários peregrinos com que eu já havia perdido o contato, inclusive, Juan, o espanhol. Alguns já sem a mochila e em trajes sociais. Eu ainda com roupa de briga, suado, extenuado. E foi uma festa o reencontro! Depois das orações e abraço no Santo Apóstolo, fui até a “Oficina de Turismo” buscar minha tão festejada “Compostelana”.

À noite, após reconfortante repouso, voltei novamente à Catedral. Tudo estava calmo, poucas pessoas se encontravam no Santuário, pude, então, tranqüilamente abraçar, novamente, a acolhedora imagem dourada de Santiago e rezar em seu túmulo.

Depois, fiquei muito tempo orando e contemplando, quieto, o esplendor interno da Casa Maior de Tiago. Recordei-me, então, de minha família, amigos, e de todos aqueles a quem eu prometera levar lembranças ao Santo. E enquanto o interior do templo foi-se escurecendo, me deixei ficar, esquecido, olhando o Apóstolo, e me senti imensamente feliz por estarmos novamente juntos, com uma ponta de melancolia que me fez muito bem.

No dia seguinte, sábado, retornei para assistir à Santa Missa a ser ministrada às 12 h e, embora, me adiantasse quase uma hora antes da celebração, encontrei a igreja completamente congestionada de pessoas. Muitos eram turistas que haviam vindo de ônibus e ocupavam tranqüilamente todos os lugares disponíveis nos bancos, enquanto, num anacronismo pungente, os peregrinos que haviam chegado a pé eram obrigados, por força das circunstâncias, a permanecer em pé.

À custa de enorme esforço consegui me posicionar junto a uma coluna, e ali permaneci imóvel, pois me preocupava em não tirar o pé do chão, sob risco de não encontrar lugar para recolocá-lo de volta. A Missa Solene começou pontualmente no horário marcado e logo no início saboreei um prazer incomensurável, quase explodi de alegria, quando o Padre comentarista, ao fazer a acolhida, mencionou, dentre outros “...um peregrino brasileiro que veio a pé desde Lourdes..”.

A homilia foi bonita e participativa, e depois da comunhão fiquei a observar o semblante dos demais peregrinos, e vi refletidas em suas fisionomias uma felicidade absoluta e sem limites. Após assistir o show do “botafumeiro”, entendi que naquele momento encerrava, definitivamente, minha peregrinação e, no mesmo instante, senti meu coração rejuvenescido de emoção e júbilo pela façanha realizada.

Tinha conquistado mais uma vitória pessoal, vencera o cansaço, as dores, o sofrimento e até as dúvidas e incertezas interiores. Nesse intante, uma imensa alegria me invadiu, por ter o privilégio de, novamente, poder abraçar o Santo Apósto. Sim, porque ir à Santiago é, antes de tudo, um ato religioso.

É , também, um exercício de fé, é vivenciar nossa saída de Deus... “E Deus soprou sobre o barro e o barro-Adamah tornou-se vida” (Gênesis 2,7). E “Peregrinando-Per El Agri”, peregrinando pelos dias de sua existência terrena, voltar novamente à Fonte de seu sopro, ao coração de Deus, por ora concretizado no Santuário de Compostela.

E tem mais:

E tem muito mais ainda...