De Lourdes a Santiago de Compostela

por  OSWALDO BUZZO

1ª Jornada - Perdido


Partindo de Lourdes rumo à Santiago, havia programado para o primeiro dia de minha peregrinação um percurso bastante tranqüilo, como forma de ir me adaptando, passo a passo, física e mentalmente, para a dura rotira que iria enfrentar nos próximos 35 dias. Assim, para a jornada inaugural, programei caminhar apenas 19 quilômetros. Para tanto, deveria seguir na direção sul pela auto-estrada D-152, utilizando o acostamento da rodovia, no sentido contrário ao fluxo de veículos.

Entretanto, por distração e, também, por confiar demais em informações alheias, acabei tomando rumo errado. Se tivesse olhado com mais cuidado para o mapa que portava, veria que estava caminhando de encontro a problemas. Quando percebi o engano em Pontacq, já havia percorrido 12 quilômetros pela D-940 e, o que é pior, no sentido norte, em direção a Paú, a capital da Província onde me encontrava.

Estrategicamnte falando, talvez fosse melhor retornar a Lourdes, a pé ou de carona, e reiniciar a aventura. Todavia, por sorte, e com a ajuda de um solícito morador local, resolvi empreender uma rota alternativa cortando caminho na direção nordeste por estradas vicinais, tendo como meta a cidade de Montaut, que se situa a 2 quilômetros de Lestelle-Bethrram, local que havia programado para o meu primeiro pernoite.

A estradinha asfaltada que trilhei atravessava locais ermos e desertos, entre sítios, pequenas vilas fantasmas e extensos bosques de eucalíptos e coníferas. Durante todo trajeto, encontrei apenas um ciclista solitário e um carro de coleta dos Correios Franceses.

Depois de 3 horas de intenso esforço estimei estar próximo de atingir meu alvo, porém, eis que após vencer dura ladeira, desemboquei, perpendicularmente, em outra estrada. Desesperado, procurei alguma placa que indicasse o meu destino, todavia, sem sucesso.

E agora? Perguntava-me apavorado, para que lado seguir? Os pensamentos turbilhonavam em minha cabeça como água descendo pelo ralo de uma banheira. E ali fiquei, por longos minutos, a matutar como sair do “imbróglio” em que havia me metido. Salvou-me da indecisão um idoso lavrador que caminhava lentamente com seu cão por aquela estrada.

Ao se aproximar, constatei que não era tão velho assim, talvez tivesse entre 50 e 60 anos, porém, tinha o rosto crestado de quem passara toda a vida exposto ao sol. A pele de aspecto coriáceo tornava sua aparência décadas mais idosa. Era alto e magro, de bigode e sobrancelhas espessas, e suas mãos combinavam com o conjunto: garras ossudas e secas. Havia, também, no jeito dele, qualquer coisa de melancólico que identifiquei em seu semblante.

Após cumprimentá-lo em meu parco francês, afoitamente, perguntei-lhe o caminho para Montaut. Ele segurou o queixo e entrou em profunda meditação. De vez em quando sacudia a cabeça:

- Montaut, pois não?

E cerrava as sobrancelhas com força, quase fazendo desaparecer os olhos. Sua concentração era tão intensa que cheguei a temer que tivesse uma comoção cerebral.

Viera caminhando até ali temeroso, num misto de ansiedade e preocupação pelo erro cometido, mas naquele local, vendo o hercúleo esforço mental do pobre homem à minha frente, começei a ficar desarvorado, de tal sorte que baixou sobre minha cabeça um tijolo de estupidez, um tremendo vácuo mental, vez que a aflição do camponês era contagiante.

Será que eu havia tomado rumo errado em alguma parte do trajeto, e agora estava novamente perdido, perguntava-me, concentrado em minhas intelecções. Eu estava exausto e minha perna esquerda formigava numa dormência insuportável. Enquanto aguardava o desfecho do raciocínio do pobre homem, rezei com fé. E deixei a dor que sentia, alimentar minhas súplicas.

Por obra divina as circunstâncias me foram benfazejas, vez que ao final de longa meditação, ele suspirou fundo, descontraiu o rosto como se finalmente chegasse a uma conclusão:

- Siga pela esquerda (gauche), reto, e sempre em frente – disse apenas.

Já ia partindo apressadamente naquela direção quando ele recomendou, enfático:

- Em havendo curvas, faça-as, complementou, gesticulando as sinuosidades com a mão.

E tem mais:

E tem muito mais ainda...