De Lourdes a Santiago de Compostela

por  OSWALDO BUZZO

18ª Jornada – Exemplo de Vida


Após deixar a pequena vila de Ítero de La Vega o percurso envereda por estradas retas e largas, agradáveis de se trilhar. Até onde minha vista alcançava, observei enormes campos verdes de agricultura. O traçado, farto em leves ondulações, permeia por extensas áreas de trigais, entremeando-se de quando em quando, por olivais e vinhedos milimetricamente alinhados.

Uma hora depois, encontrei caminhando, em sentido contrário, um senhor lépido e falante, que me cumprimentou efusivamente. Com mais de setenta anos, era baixo e cheio de corpo, mas ainda desempenado. Vestia uma roupa simples, um chapéu típico e tinha um brilho molhado nos olhos claros, como costumam ser os de certos velhos, mas um sorriso vago dava-lhe, também, um inesperado ar de jovem, com a fisionomia de alguém que acaba de ter uma idéia feliz.

Apresentou-se como Alejandro Sandoval Ortega, natural e morador em Boadilla del Caminho (pântanos do caminho), a cidadezinha que já se descortinava no horizonte próximo. Contou-me que diariamente fazia aquele roteiro não só para se exercitar, mas, principalmente, para conversar com peregrinos, fazer amizades, enfim, conhecer pessoas. Era uma forma, também, enfatizou, de divulgar sua terra de nascença.

Simpaticamente, entregou-me um cartão com seus dados, bem como ofereceu seu endereço para uma visita e um lanche, ao mesmo tempo relatava, com orgulho e resumidamente, um pouco da história de sua cidade natal. Todavia, intrinsicamente à população local, traçou-me um perfil nada animador concernente àqueles de sua idade:

- Nós estamos esquecidos pelos nossos governantes, somos ridicularizados pelo mais jovens e, não raro, discriminados pela própria família, disse-me ele. Na verdade, para alguns, não passamos de tristes e inúteis velhos. Algum dia, e não muito distante, morreremos e não sei se muita coisa restará de nossa vila. Talvez, somente a história.

Contou-me que quando chegava em Ítero de la Vega, por volta das 11 horas, ia direto a um bar de onde telefonava para casa e prontamente um carro ia buscá-lo.

Despedi-me dele com um aperto de mão e um adeus.

Ao passar pela cidadezinha, não resisti à propaganda feita por seu insígne filho e fui conhecer a igreja matriz, que por sinal está localizada ao largo do percurso demarcado pelas flechas amarelas. Do lado externo, bem próximo ao templo, contemplei com curiosidade o símbolo da cidade, um monumento “sui generis”, um “Rollo Jurisdicional” do século XII, o de melhor conservação em toda a Espanha.

É uma linda coluna talhada em estilo romano-bizantino, encimada por uma agulha gótica. Ele simbolizava o poder jurídico na comarca e era ainda usado para prender os réus ou ministrar-lhes a pena capital. Mede uns oito metros de altura. Infelizmente, de maneira lenta, mas, implacável, vai sendo desgastado pelo tempo.

Deixei a povoação em direção à Frómista, a conjecturar sobre as palavras do Sr. Alejandro. Afinal, as estatísticas dão conta que a velha Europa é habitada na maior parte de seu território, por pessoas idosas. Também a Espanha parece ter o ventre já seco e incapaz de gerar nascituros, e a vida moderna e o egoísmo dos casais estão transformando o país num grande asilo, vez que morre mais gente do que nasce.

E tem mais:

E tem muito mais ainda...