Caminho de Santiago a cavalo

por  MACHADINHO

Apresentação / Introdução


João José de Oliveira Machado (Machadinho), percorreu o Caminho de Santiago a cavalo no verão do Ano Santo de 1999, acompanhado de seu amigo Felix Corti, e com um especial espírito peregrino nos preparou estas páginas sobre a peregrinação a cavalo.

Durante a peregrinação, seu amigo Felix Corti foi acometido de uma estranha enfermidade, ficando hospitalizado durante dois meses no Hospital Virgen Blanca, em León e viu interrompida sua peregrinação. Porém, com obstinação, um ano mais tarde concluiu a pé sua peregrinação.

Machadinho, lançou um livro sobre a sua façanha: Gaúchos a cavalo no Camino de Santiago.

Quero deixar aqui registrado meu profundo agradecimento à sua disposição em ajudar, com sua experiência, aos que desejarem aventurar-se neste tipo de desafio.

Acompanhem a trajetória de Machadinho através deste trabalho por ele enviado. Ultreya!

Zerob Peregrino

A partir da descoberta do túmulo do Santo Apóstolo, no século IX, a curiosidade encarregou-se de demarcar os diferentes caminhos que, partindo dos mais longínquos pontos da Europa e, em especial da Ibéria, iam se formando pela sedimentação das trilhas deixadas pelos primeiros peregrinos que se dirigiam àquele Santo Lugar.

Não dispondo de outro meio de locomoção, se deslocavam a pé, restando aos membros da nobreza e do clero o uso do cavalo para a montaria e da besta como meio de transporte da carga, tão indispensável ao sustento, abrigo, defesa e vestimenta, em face do grande tempo de duração dessas longas viagens.

A inexistência de estradas tornava, como ainda hoje, impossível o uso de qualquer veículo.

Todavia, função da segunda revolução industrial, a partir da primeira quadra do século XX, com a introdução do trator nos campos, para tração e do automóvel, a nível urbano, como meio universal de locomoção, o cavalo foi desaparecendo, ao ponto de constituir-se em raridade. Hoje, naquelas paragens, o nobre animal é empregado somente na atividade esportiva e em raras demonstrações de nostálgica tradição militar.

O modernismo e a tecnologia fizeram-no substituído pela bicicleta, hodierna modalidade reconhecida e aceita como meio de peregrinação.

No cone sul americano, em especial na Argentina, Uruguai e sul do Brasil, mormente no Rio Grande do Sul, a vastidão dos campos apropriados para a pecuária extensiva, por questões práticas, de um lado e pelo atavismo do homem rural, por outro, mantiveram o cavalo no pedestal de sua nobreza. El gaucho pampeano e o gaúcho sul-rio-grandense fizeram História no lombo de seus cavalos. São uma realidade atual que caracteriza essa imensa região.

Também o telurismo e o culto às tradições campeiras contribuíram para o aprimoramento das raças eqüinas, em especial a raça Crioula que, sem dúvida, é a mais expressiva. Nas comemorações cívicas, nos desfiles, nas cavalgadas e nos rodeios, a maioria dos animais utilizados é constituída de espécimens de primorosa morfologia e resultado de singulares cuidados por parte de seus ginetes. Os CTGs (centros de tradições gaúchas), do nosso lado e as entidades congêneres do Prata têm marcante participação nessa realidade diferenciadora em relação aos demais povos.

Membro da Confraria dos Cavaleiros da Paz, adepto fervoroso da prática libertária de "andar a cavalo" (não confundir com a arte da equitação), já percorri mais de 10.000km em cavalgadas internacionais pelo Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e Bolívia. Além disso, criei em 1985 a Cavalgada do Mar, a qual percorre todos os verões os 250 km da orla norte do Rio Grande do Sul. A primeira edição dessa marcha contou com pouco mais de sessenta participantes. Sempre num crescendo, espera-se mais de 1.500 ginetes para o ano vindouro.

Naturalmente, seria de esperar-se que alguém dessa vivência, um belo dia sonhasse em fazer, a cavalo, a peregrinação a Santiago de Compostela, para abraçar o Santo e, ao mesmo tempo, na condição de gaúcho autêntico, resgatar a imagem do cavaleiro andante em plagas ibéricas, evocando as saudosas figuras dos Templários, Cruzados, Quixote, El Cid, Suero de Quiñones e tantos outros, que escreveram a História da Europa, riscando o solo europeu com as patas de suas montarias.

Assim, de 13 de junho a 15 de julho de 1999, enfrentando todas as naturais dificuldades, uma delas a compra de cavalos na Espanha, acabei por chegar sozinho em Compostela.

Mesmo sem pretender, fui o primeiro brasileiro credenciado pela Associação dos Amigos do Caminho de Santiago (São Paulo/BR) a fazer o Real Camino Francés a cavalo, visto que estranha enfermidade atacou meu companheiro, o médico veterinário Felix Corti, que ficou hospitalizado por mais de dois meses no Hospital Virgen Blanca, em León.

Felix, em maio/junho de 2000, completou sua peregrinação a pé, desde Carrión de los Condes, de onde a havia interrompido, até Santiago de Compostela, tendo recebido sua Compostelana.

Os detalhes da peregrinação, desde a saída de Porto Alegre/RS, até o abraço ao Santo, depois de passar por Finisterre e San Andrés de Teixido, no norte da Galícia, estão narrados no livro Gaúchos a cavalo no Camino de Santiago.


O LIVRO

Além de informar sobre as dificuldades encontradas para os pernoites (muitos deles ao relento), visto que são poucos os albergues que contam com cocheiras, descreve o itinerário desde Saint-Jean-Pied-Port (França), cerca de 800km, indicando em detalhes as distâncias entre os mais de duzentos pueblos e as cidades que margeiam a trilha; as altitudes, o clima, a umidade do ar e o relevo.

O livro, em 2ª edição, publicado pela EDITORA ALCANCE, Porto Alegre/RS, impresso em papel sulfite de 90 gramas, 232 páginas, capa em cores, plastificada, contém 28 fotos coloridas em papel cuchê.

Assim se manifestou o Editor, por ocasião do lançamento, em 23/03/2000:

O Autor, com singular habilidade, narra as peripécias de sua inédita experiência, ao ficar sozinho no Caminho de Santiago, logo no primeiro terço do trajeto.

A história de Tiago, Apóstolo de Cristo, a descoberta do túmulo do Santo, oito séculos após a sua trucidação e a origem das peregrinações são noticiadas com leveza, despertando em todos a vontade de refazer-lhe os passos Camino afora. E a estes, não importando se a pé, de bicicleta, ou a cavalo, como ele - únicas formas de fazer a peregrinação - fornece informações detalhadas que, se seguidas pelos novos adeptos que influencia, não lhes causarão surpresas quando fizerem sua busca pessoal.

Crença, religiosidade, reflexão e, em especial, o encontro do eu submerso são ingredientes que, absorvidos numa alquimia sutil, fazem com que aqueles que retornam da peregrinação a Santiago se sintam "diferentes", o que é facilmente percebido pelas pessoas de sua convivência.

Rossyr Berny - Editor