Pequena História de Santiago

por Walter Jorge

As Peregrinações (segunda parte)


As peregrinações ao Túmulo do Apóstolo Santiago sucedia-se em um rítimo contínuo, peregrinos partindo de diversos pontos convergiam na cidade de Santiago de Compostela, a mesma crescia com base nas doações e no “Voto do Privilégio”, surgiam várias povoações ao longo do caminho, o número de Albergues, Mosteiros, Abadias, Igrejas e Hospitais aumentavam para permitir atender a demanda.

Vejamos a continuação do desenvolvimento das peregrinações.

A enorme afluência dos peregrinos que arrastavam consigo um número também crescente de mercadores, de acordo com o desenvolvimento comercial da Europa naquele tempo, fez com que se considerasse seriamente a rede viária que lhe permitia chegarem a Compostela. E assim, segundo nos conta a história Silense (por volta de 1110), Sancho III “o maior” de Navarra, teve o cuidado de garantir um novo caminho em direção a Santiago, livre do perigo das incursões muçulmanas, e mais ameno (de Pamplona a Nájera, e daqui provavelmente a Briviesca e Burgos) que os viricuetas até àquela altura seguidos por terras de Álava. Ao facilitar-lhes o caminho, estes reis e outros que vieram depois deles, ajudaram os peregrinos para que estes pudessem chegar em maior número e com menos dificuldades a Santiago.

Quatro cidades francesas ficaram conhecidas como sendo pontos de partida tradicionais, pois recolhiam peregrinos da Inglaterra, Alemanha, Itália e Países Baixos, que são: Tours, Vézelay, Le Puy e Arles. Essas vertentes do Caminho de Santiago foram denominadas respectivamente de “Via Turonense” (partindo de Paris passa por Tours chegando a Ostabat); a “Via Lemovicense” (parte de Vezelay até Ostabat); e a “Via Podiense” (sai de Le Puy até Ostabat). Essas três vias encontrando-se em Ostabat atravessa os Pirineus pela pequena cidade francesa denominada de Saint Jean Pied-de-Port e segue até Puente La Reina onde se encontra com a “Via Tolosona” que partindo de Arles atravessa os Pirineus por Samport, até encontrar-se com as demais em Puente la Reina, uma cidade já em solo espanhol, tornando-se um só caminho até Santiago de Compostela, chamado de “Caminho Francês”, quase que em uma linha reta diretamente sob a Via Láctea.

Por volta do ano 1000, se observa na Europa cristã um notável progresso que se baseia num forte crescimento demográfico, na extensão das áreas cultivadas e no aumento da produtividade. Incrementam-se os contatos entre as populações, crescem o comércio e as cidades. A Península Ibérica, que dispõe de extensas terras incultas e de produtos muito bem cotados nos mercados, oferece claros atrativos, quer aos guerreiros, quer aos mercadores. “Piedade e interesse aparecem deste modo misturados na peregrinação a Santiago cuja importância se manterá enquanto a Península puder oferecer aos peregrinos algo mais que a satisfação da sua religiosidade” assim se expressou José Luis Martín Martín.

No final do mesmo século, o rei de Castela e León, Afonso VI “o bravo” (1065-1109), amplia o sistema de assistência aos peregrinos com a instalação de novos abrigos, dando todo o apoio a Santo Domingo para conservar as estradas no território castelhano, bem como restaurar todas as pontes que tinham de atravessar os peregrinos para transitar no seu reino, além de incentivar a fundação das primeiras ordens militares destinadas a dar proteção aos peregrinos.

Com o aumento no número de peregrinos, junto com os fiéis vieram também ladrões, salteadores de estradas e todos os tipos que, com sua esperteza, abusavam da boa fé dos andarilhos. Nessa oportunidade para manter a segurança do caminho, criou-se em 1170 a “Ordem dos Cavaleiros de Santiago”, inicialmente denominada de “Irmãos de Cáceres” ou “Cavaleiros de Cáceres” cujos cavaleiros eram encarregados da vigilância da rota através da Espanha. Posteriormente em um artigo à parte, daremos informações mais detalhadas, por ser uma Ordem que utilizou o nome do Apóstolo. A “Ordem dos Templários”, um pouco mais antiga, e com a mesma finalidade de proteger os lugares santos, veio também mais tarde proteger o Caminho, sobre a qual reservamos um artigo no qual abordaremos as suas construções ao longo da Rota Francesa das peregrinações.

Por volta de 1135 surge a primeira obra escrita pelo padre Aymeric Picaud, que peregrinou a Santiago de Compostela, a cavalo, provavelmente com o apoio da poderosa Ordem de Cluny. Estas crônicas eram intituladas “Liber Sancti Jacobi”, mas pôr serem dedicadas ao Papa Calixto II, passaram a denominar-se “Códice Calixtino”. Sobre a mesma posteriormente daremos maiores informações.

A “Porta do Perdão” situada na Igreja de Santiago em Villafranca del Bierzo


Os momentos de maior apogeu das peregrinações, produziram-se nos séculos XI, XII e XIII com a concessão de determinadas indulgências espirituais, como a instituição temporariamente pelo Papa Calixto II, do “Ano Santo Jacobeu” em 1119. Mas a mesma só teve efeito depois da sua retificação pelo seu sucessor, Alexandre III (1159-1181), por meio da Bula “Regis aeterni” em 1179, outorgando a graça do Jubileu (indulgência plenária) aos que visitarem o templo compostelano nos anos em que o dia 25 de julho (dia de Santiago) conhecida com um domingo, o que veio impulsionar definitivamente as peregrinações a Santiago de Compostela durante a Idade Média. É o Jubileu mais freqüente da Igreja Católica, tem uma periodicidade variável de cinco, seis e 11 anos. Houve, no entanto, mais dois, instituídos apesar do dia de Santiago não serem domingo: em 1884, em louvor pela redescoberta do corpo do Apóstolo e em 1937, em plena Guerra Civil espanhola (1936-1939).

Por volta de 1186 o bispo astorgano don Fernando, conseguiu uma bula papal do Papa espanhol Calixto III, que permitia edificar uma igreja no termino de Villafranca del Bierzo, a Igreja de Santiago, a mesma possui duas portas sendo a mais interessante a situado no lado norte que foi denominada como a “Porta del Perdón”. Por um privilégio especial os peregrinos doentes ou impossibilitados para prosseguir viagem a Santiago de Compostela, podiam ali ganhar o jubileu perante o “Pórtico do Perdão”, com a mesma plenitude que ante a tumba do Apóstolo em Santiago de Compostela, bastavam tomar sua comunhão ajoelhados nos degraus de acesso da referida porta.

Mapa contendo as rotas em Portugal em direção a Santiago de Compostela


Santiago torna-se assim o centro das peregrinações cristãs de todo o Ocidente e pode tirar partido do fluxo de peregrinos, engrossado pela maior segurança do Caminho, pontuado por numerosas edificações da poderosa Ordem de Cluny. Nesse momento emerge uma nova classe de mercadores, que recebem do conde Raimundo da Galícia um estatuto de paz pessoal, permitindo-lhes viajar pela região sem qualquer receio de serem tomados, por engano, como servos. A força daquela classe burguesa sente-se nas revoltas de 1117 e 1136.

Compostela torna-se assim um verdadeiro caminho europeu santificando, ficando em pé de igualdade com os que rumavam a Roma e a Terra Santa. No séc. XII o embaixador do Emir Ali Bem Yusuf já dá conta da multidão de fiéis que se dirigem a Santiago informando: “É tanta a gente que vai a e vem de Santiago de Compostela que dificilmente deixam o caminho do ocidente livre”.

Reis, Santos, camponeses, em Santiago convergem, ultrapassando em número os crentes que vão a Jerusalém e a Roma, fazendo com que a capela românica então existente se transforme no centro de peregrinação e de cultura mais importante do cristianismo da Idade Média. A propósito, Goethe escreveu que “(...) A Europa se construiu a caminho de Compostela (...).

Ao longo dos séculos, os peregrinos foram estabelecendo rotas mais ou menos fixas, bem como que muito variadas, originando grandes dezenas de percursos atravessando regiões, permitindo grandes intercâmbios culturais. Alguns caminhos perderam-se na memória do tempo, e estão agora a serem reencontrados, como prova o recente achado da rota proveniente da Polônia. Deste movimento intenso, pessoas vindas dos quatro cantos do Velho Continente começa a surgir numa povoação que para sempre ficaria ligada ao culto e à Igreja Católica.

Como é natural, o culto de Santiago rapidamente se estendeu ao norte e centro do território que veio a ser Portugal. A invocação do Apóstolo peregrino estava por toda à parte e a invocação do Apóstolo guerreiro, patrono das batalhas, também. Esta última decresce apenas em finais do século XIV, “substituído por São Jorge quando da vinda dos ingleses em auxilio do Mestre de Avis” (J. Veríssimo Serrão). Portugal também passou a possuir uma grande rede de caminhos de peregrinação que partindo do sul segue por dois caminhos (pela costa e pelo interior), até alcançar a cidade de Santiago de Compostela..

Entre as conseqüências da peregrinação de grande importância, são as que se tem manifestado na arte, na cultura e na mentalidade. Este patrimônio fez com que fosse declarado pelo Conselho da Europa, o conjunto dos itinerários compostelanos, o primeiro “Itinerário Cultural Europeu”. Em 1987, numa solene “Declaração de Santiago de Compostela”, reconhecia e sublimava o transcendental valor cultural da peregrinação na formação de uma civilização única e comum a todos as vilas e cidades européias.

Com a finalidade melhor compreender o desenvolvimento da cidade Santiago de Compostela, no próximo artigo abordaremos o que era os “Privilégios” ou os “Votos de Santiago”.

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