Pequena História de Santiago

por Walter Jorge

A Origem de uma Tradição


O Império Romano estava em decadência, e por volta de 813-820 foi descoberto o túmulo do Apóstolo Santiago, mesmo com os muçulmanos dominando grande parte da Península Ibérica, as peregrinações foram reiniciada, havia uma necessidade premente na quebra daquela monotonia reinante na época. Nesse artigo abordaremos com se deu origem a uma Tradição.

A lenda narra-nos que o bispo Teodomiro de Iria Flavia, após ter reconhecido o sepulcro de Santiago, imediatamente fez a notícia chegar a Afonso II (759-842), “o Casto”, rei das Astúrias, que vê na descoberta um sinal promissor para as suas batalhas contra os mouros, e com o seu séqüito acode rapidamente ao chamado. Parte de Oviedo para visitar o lugar constatando a milagrosa revelação. O rei “Casto” era na época considerado pelo cristianismo como um elemento catalisador e unificador contra o Islamismo. O achado das relíquias do Apóstolo dentro dos limites do seu reino constitui-se num poderoso instrumento político religioso que fortalecia a Igreja na Galicia frente aos ataques islâmicos e ao expansionismo carolíngio. O rei Afonso II foi assim o primeiro peregrino deste novo ciclo do culto a Tiago. O “Libre-don” ganha o nome de “Campus Stellae”.

Afonso II “o Casto” conforme o Pergaminho A existente na Catedral de Compostela


Com a queda do Império Romano frente aos muçulmanos, produziu-se na Espanha – como em outros lugares devido a distancia da autoridade de Roma – a queda das instituições sociais e por isso perdeu os seus funcionários a legitimação de suas funções. A única instancia capaz de assumir a responsabilidade coletiva foram os bispos da Igreja Cristã. Na Galícia conseguiram dialogar com os invasores e até conseguiram a prematura conversão ao catolicismo do príncipe suevo Reckiario, que ao morrer seu pai Reckila no ano de 448, converteu-se no primeiro rei bárbaro católico.

Este problema se aguçaria quando, a partir do ano 713, caiu toda a Espanha em poder dos muçulmanos menos a área situada ao norte da Península Ibérica. Na Galícia se refugiaram uma infinidade de cristãos e bispos. O bispo de Dumia se refugia em Mondoñedo. Lugo, Orense, Astorga, Tuí e a metropolitana Braga ficam sem os seus bispos. Somente continua sem interrupção a sucessão dos bispos de Iria Flavia. Aqui deve estar a origem, primeira do senhorio temporal dos bispos sobre a terra de Iria Flavia e depois o dos arcebispos de Santiago, senhorio esse que aumentou e consolidou-se com os donativos dos reis, tratando com isso a honrar o Apóstolo Santiago patrono da Espanha.

As lendas como sempre mexeram nas coordenadas habituais: naquele tempo somente a sanção real dava validade permanente e definitiva a qualquer ato. A presença de Afonso II e a conformidade do monarca eram a cunha que dava impulso oficial ao culto local ao Apóstolo Santiago no seu sepulcro recém descoberto. No presente caso foram duas, e em diferentes planos as autoridades que deram impulso ao culto apostólico: primeiro o bispo, na sua função de chefe da Igreja local, e em segundo lugar o soberano, como responsável por todas as decisões religiosas ou políticas do seu reino.

Esta dupla linha de defensores e promotores do culto Jacobeu deve ter-se mantido ao longo de muito tempo. É verdade que alguns dos bispos de Iria Flavia se mostraram despreocupado não só no culto ao Apóstolo, mas também de toda a administração espiritual da diocese, que (como diz o poema dos anos 883 que acompanha a crônica de Albelda), brilha pela presença de Santiago, no “lócus apostolicus” ou “lócus sanctus”.

É importante observar que a promoção do culto à sepultura de Apóstolo Santiago foi realizada em detrimento das Igrejas de Oviedo e de Iria Flavia. Posteriormente, o bispo Teodomiro visando um futuro promissor com a descoberta, passou a viver no bosque de “Arcis Marmáris”, aonde veio a falecer em 20 de outubro do ano de 847, local onde se encontra o seu sepulcro situado a poucas quilômetros de sede de Iria Flavia

Com a descoberta do tumulo, iniciou-se a grande movimentação dos peregrinos ao culto a Santiago. Tinha-se em conta que os túmulos dos mártires eram locais de culto onde o cristão recordavam aqueles que tinham permanecido firmes na fé no meio das perseguições. Não tardou muito para que peregrinos de toda a Europa começassem a acorrer a Compostela para venerarem as relíquias de Santiago.

Lápide sepulcral de Teodomiro, bispo de Iria, encontrada em 1955 na Catedral de Santiago


Também foi comunicada a boa nova da descoberta ao Papa Leão III (795-816), que deu conhecimento ao mundo cristão no escrito “noscat fraternitas vestra” que “o corpo do bem aventurado Apóstolo Santiago foi transladado inteiro na Espanha, no território da Galicia”.

Segundo consta, o rei Afonso II, comunicaria o fato a Carlos Magno, imperador, cuja corte estava em Aquisgrán, de onde se origina a lenda do Imperador e seus heróis Martell e Roldán, que, segundo conta à lenda, foram então à Espanha para libertar o Caminho que estava em poder dos muçulmanos.

O poeta e filosofo árabe Algazal, de Jaén, descreve em 845: “A sua kaaba é um ídolo colossal que têm no centro da igreja; juram por ele, e dos locais mais longínquos, de Roma e de outros países, acodem a ele em peregrinação e dizem que a tumba que se vê dentro é a de Santiago, um dos doze Apóstolos...”.

O rei Afonso II impressionado com o achado e aproveitando-se da ocasião, declara a Santiago protetor de toda a Espanha e manda construir no local uma modesta capela de pedras e barro para acolher o mausoléu, coloca um oratório de tal forma que este acaba convertendo-se no local de celebrações comunicando-se com a nave por uma pequena porta, ao seu redor se estabeleceu um cemitério, que esteve em uso até o século XI. A partir desse ponto, o pequeno local chamado de Tamarisco que contava apenas com trezentos habitantes, começou a crescer rapidamente, convertendo-se em Compostela nome derivado de Campus Stellae. Nascia, assim, um dos mais importantes centros de peregrinação da Cristandade.

Com o novo culto chegam às ordens religiosas, os peregrinos e, sobre o velho caminho druídico, recria-se uma rota atravessando a península para visitar o túmulo do Apóstolo, as pessoas partiam de vários pontos da Europa, percorrendo um longo caminho cheio de perigo, um caminho que ficaria conhecido pelos séculos futuros como o Caminho de Santiago do Campus Stellae ou Campos das Estrelas, origem da palavra Compostela, numa referência às luzes vistas por Pelayo e à Via Láctea, pois, esta rota situa-se diretamente sob a Via Láctea. Sendo uma das poucas rotas do mundo que não se formou por motivos comerciais.

Os peregrinos que chegam a Santiago de Compostela imaginaram o Santo como sendo o primeiro dos peregrinos. Isto justifica o fato de em uma de suas representações, incluírem o chapéu, o bastão, a capa, a mochila, a cabaça..., tudo aquilo necessário a uma peregrinação pelos caminhos, que no desenrolar da Idade Média vão configurando essa relativa unidade de cultura européia que idealizou o românico.

No próximo artigo abordaremos como se iniciou o desenvolvimento daquele núcleo denominado inicialmente de “Lócus Sanctus”, “Local Sagrado” ou “Local Santo”.

E tem mais:

E tem muito mais ainda...