Diário de um Magro

por  CARLOS ALBERTO

De Carrion de los Condes a Terradillo de Templarios - 26 km

A Santiago: 379 km


Quinta-feira, 27 de Setembro de 2001

Ontem, esqueci minha concha pendurada no beliche do albergue de Boadilla del Camino. Terei que adquirir outra.

Prevista como difícil, a etapa de hoje confirmou. Foi bem difícil. Saí do albergue em torno das 7h30min ,ainda escuro. Na saída de Carrion, encontrei com dois peregrinos alemães, de certa idade, a quem já avistara em etapas anteriores, que não falam com ninguém, principalmente pela barreira da língua. A despeito disso, nos demos recíproco e silencioso apoio na escuridão do caminho e na incerteza da saída da cidade.

A reta é interminável no meio das lavouras de trigo já colhido, estrada com muito pedregulho, o que torna a caminhada mais desconfortável e cansativa. E amanhã, a dificuldade prosseguirá, será mais uma dura caminhada até Burgo Ranero, 31 Km de mais retas intermináveis e estrada de pedregulho.

Cheguei ao refúgio de Terradillo de Templários por volta das 14 h, bastante cedo, dando para descansar bem pensando na etapa de amanhã.

Durante o caminho, lanchei frutas e bebida energética e depois de instalar-me no albergue de Terradillo, comi um bocadilho de queijo é presunto, com vinho.

Conheci nesta etapa um francês, Jean, funcionário aposentado do Museu do Louvre, que trabalha como "bénévole" na Cruz Vermelha, junto a menores de rua, inclusive fora da França. Conversamos bastante, contou-me dessa sua atividade na Colômbia. Entusiasmado com o que faz, carrega, em seu porta notas, fotos de meninos atendidos. Perguntei-lhe se tinha família, filhos, respondeu-me que é "célibataire". Confessou-se grande admirador e saudosista do Gen. Charles de Gaulle. Não disfarçou seu desapontamento com a decadência dos políticos franceses atuais. "Chirac, quelle décadence !", observou.

Enquanto esperava a "cena" do albergue às 20h, conversei no pátio com o francês, alguns espanhóis e dois italianos do norte, da fronteira com a Áustria, cuja língua materna é o alemão e não o italiano. Fiquei sabendo que naquela região pertencente à Áustria antes da unificação, há famílias italianas, na verdade etnicamente germânicas, cuja língua materna é o alemão, e a primeira língua estrangeira em sua escola é o italiano. E os etnicamente italianos nessa região, tem naturalmente o italiano como língua materna, e o alemão, como primeiro idioma estrangeiro.

A conversa girou sobre Paulo Coelho, extremamente popular em toda a Europa, a cuja influência creditam o fato de haver muitos brasileiros no caminho de Santiago. Externei minhas dúvidas a respeito, opinando que o fato provavelmente se deva mais à Rede Globo, que fez importantes reportagens e emissões sobre o tema. Estranharam quando falei que Paulo Coelho não tem no Brasil o prestígio adquirido na Europa, pelo menos nos círculos intelectualmente mais cultivados.

Parreiral - Navarra

E tem mais:

E tem muito mais ainda...